O Insuportável Homem Recém - Separado por Fabrício Carpinejar
Não há condições de ser agradável, de ser sociável, de ser carinhoso.
Separado não admite visitas por mais de uma hora que já começa a sofrer com flashbacks.
Só consegue ser educado por uma hora. Depois disso, o desespero e a saudade tomam conta dele.
O que ele mais quer é ficar sozinho para poder se derramar. Reservar-se o direito da antipatia das lágrimas.
Depois que chora, até deseja chamar o convidado de volta, porém já é tarde.
Não há dor maior do que a separação. Quando foi amor. Quando é amor. Aliás, os tempos verbais se embaralham: ontem parece hoje, o amanhã parece ontem.
Impossível determinar se ama ou amou, nada deixou de acontecer na pele.
Além da falta de apetite e do desleixo característico, o separado alucina. Arca com infinitas crises de ansiedade, de susto, de apreensão. É uma fissura incontrolável: seu desejo é resolver a dor de qualquer jeito, e qualquer jeito é voltando para sua ex de qualquer jeito.
Olha para a janela como quem aguarda um ônibus. Encara a porta como quem espera um trem. Está atrasado de si.
Aguenta apagões consecutivos de consciência, como se estivesse sendo assaltado a cada meia hora. O separado foi terrivelmente roubado, não descobriu ainda o que levaram. Descobrirá pouco a pouco, dia a dia, despertar a despertar. Talvez tenha sido latrocínio e ele seja um fantasma pela casa.
É uma confusão mental entre o que foi e o que poderia ser. Ele lembra e imagina simultaneamente, sem definição precisa das fronteiras. De vez em quando, recorda uma experiência comovente a dois, uma conversa de cozinha, juras na cama, vindas de um passado remoto; em outras, delira o que estaria fazendo naquele instante, que palavras seriam ditas, qual música estariam ouvindo. Vive uma avalanche intermitente de sensações antigas e novas com o mesmo peso, incapaz de decifrar o que realmente é verdadeiro.
Isso quando não apanha do lado turvo do relacionamento – as discussões, as decepções, o choque de identidades -, coisas que não gostaria de ter enfrentado e que não entende como não conseguiu remediar a ponto de salvar o casamento.
Tudo o que conta aos amigos e familiares é o contrário do que sente. Reclama e ofende sua companhia para se convencer de que decidiu acertadamente, mas o que deseja é simplesmente receber o beijo e o abraço dela de volta. Inviabiliza, de modo racional e inútil, as chances de reconciliação, entretanto é o que anseia. Cria uma oposição desastrada para prevenir sua passionalidade.
Como não pode ter o que quer, mendiga milagres. Posta frases e indiretas no Facebook e no Twitter, ainda que ela esteja bloqueada, acreditando numa comunicação sobrenatural.
Nem trabalha, muito menos descansa. Reconstrói cenas de ciúme ou de redenção, fraqueja com filmes, não consegue ler um livro, manter o foco, sua atenção oscila para uma única obsessão: ligar ou não ligar, retornar ou se manter firme no propósito de se distanciar.
O separado é um doente. Deveria ser internado. Posto numa cama com soro. Sua cabeça não dá trégua, porque enfrenta um impasse entre sua razão e sua emoção, numa queda de braço que resulta sempre em fratura.
Está com o osso fora do lugar. O coração é um osso agora. Duro de roer.
Se fosse um cachorro, enterrava. Se fosse um cachorro, mas não é."
Comentários
Postar um comentário