Refletir Sobre Tentativa de Suicídio É Essencial Para Que Ação Não Se Repita.
"Alguns assuntos, por mais que precisem ser discutidos, são evitados
com o propósito de coibir situações desconfortáveis e incômodas. É o que
acontece com o suicídio, problema que atinge cerca de 800 mil pessoas
por ano em todo o mundo e apresenta taxas crescentes no Brasil.
Normalmente, quando uma pessoa tenta se suicidar e é levada ao hospital,
o atendimento prestado limita-se a cuidados físicos. Raramente ela é
estimulada a falar sobre o que aconteceu, suas razões e circunstâncias
envolvidas.
No entanto, entre os principais fatores que propiciam
tentativas de suicídio estão investidas anteriores, o que evidencia o
caráter repetitivo da ação. Frente a tal cenário, incentivar o paciente a
refletir sobre o que aconteceu, nomear seu ato, além de oferecer espaço
e tratamento adequado para que se expresse, é essencial diante da
possibilidade de repetição, concluiu o psicólogo Marcos Brunhari.
O especialista discute o assunto na pesquisa de doutorado O ato suicida e sua falha,
desenvolvida no Instituto de Psicologia (IP) da USP. “Existe a ideia
muito difundida de que falar sobre uma dada situação indesejável fará
com que ela se concretize mais facilmente, e essa é uma vicissitude
muito séria”, afirma. Brunhari explica que tal atitude, mesmo que evite o
mal estar de tocar em um assunto desagradável, impede que sejam criadas
estratégias para combater o problema. Fora isso, há o fato do suicídio
aglutinar uma série de outros temas também delicados, como o preconceito
contra jovens LGBTs, grupo que apresenta altos índices de suicídios.
O suicídio e a melancolia em Freud
O trabalho realizado por Brunhari toma por base a
psicanálise. Por essa razão ele investiga quais recursos desse campo
podem ser usados no tratamento com pessoas que tentaram suicídio e como
denominá-lo nesse contexto. “A psicanálise entende o suicídio pela via
do ato. Nela estão presentes diversas conjecturas relativas ao
inconsciente, como a angústia e as referências imaginárias e simbólicas
do sujeito. O ato é uma dessas formações, e entender o suicídio enquanto
tal já facilita muito uma abordagem no assunto”, esclarece o
pesquisador.
A obra do psicanalista Sigmund Freud é também um dos
suportes da pesquisa, em especial seu conceito de melancolia. “Segundo
Freud, existe um momento no estado melancólico em que o eu se coloca
contra ele próprio, por esse motivo a pessoa tende se atacar”, conta o
pesquisador, que garante ser essa uma das chaves para entender o
suicídio. Atualmente, a melancolia está atrelada a questões artísticas e
literárias, mas dela derivam conceitos importantes, como o do
transtorno bipolar, por exemplo, antes creditado a razões do campo
maníaco depressivo.
Um dos casos mais famosos descritos por Freud conta a
história de uma jovem homossexual, que tenta se suicidar após seu pai
descobrir seu romance, e a senhora com quem saía romper o
relacionamento. Para Brunhari, a partir da observação de quadros como
esse, é possível atestar a presença de um sofrimento prévio, com o qual
não houve recursos simbólicos e subjetivos para se lidar, fazendo com
que estourasse em um ato. “O que as pessoas costumam falar sobre esse
momento é que ele é nulo de subjetividade, então elas não o questionam
como incerto, pelo contrário, muitas contam que se tivessem pensado não
teriam feito”, diz o psicólogo.
Visão sobre o ato suicida
De acordo com Marcos Brunhari, embora o assunto
precise ser discutido, isso deve ser feito com muito cuidado, pois caso
contrário pode acarretar sérios problemas. “Existe uma áurea mórbida em
torno do assunto, e quando a intenção é chamar atenção por esse viés os
resultados podem ser muito prejudiciais”. Dessa maneira, ele reforça a
importância de expor o assunto com clareza e sempre no sentido de
oferecer estratégias para o tratamento, não de causar um sensacionalismo
ou algo do tipo.
Em muitas ocasiões, os dados estatísticos, que
deveriam ser mais um suprimento para resolver o problema, acabam por
agravá-lo. Um exemplo são os índices que mostram a forma de suicídio: é
comum que os homens usem armas de fogo ou modos que são, geralmente,
definitivos quando tentam se suicidar, mas há situações em que a
tentativa ocorre por outros meios, e elas são tão importantes quanto. “O
prejudicial dessa estratificação que as estatísticas acabam causando é
parecer que existem quadros menos graves do que outros”, afirma o
pesquisador. Ele conta que isso pode gerar a ideia equivocada de que
algumas pessoas estão apenas querendo chamar atenção ou causar um
impacto em alguém.
Brunhari também considera importante interrogar a
imagem do suicídio como algo necessariamente atrelado aos diagnósticos
de transtornos mentais, em particular a depressão e a esquizofrenia,
pois existe um considerável número de pessoas que tentam se suicidar sem
nunca terem recebido tais diagnósticos. “O suicídio deve ser
compreendido como algo complexo e da ordem do humano, pois envolve uma
série de adversidades as quais as pessoas estão sujeitas” conclui.
Através do telefone 141 o serviço Como Vai Você? (CVV)
oferece ajuda para pessoas com problemas relacionados ao suicídio. Mais
informações podem ser obtidas no site http://goo.gl/hKG5tz."
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